É tempo de...


Ocultas no fundo de uma caixa de memórias e carregadas de curiosidade, algumas letras entorpecidas refazem o sentido dos velhos cartões, enfeitados com um idioma delicado.

Um idioma pronunciado somente em finais de ano.
Palavras maquiadas de esperança e desejo que, entre uma frase outra, vão encorpando a capa e o centro de pequenos e grandes bilhetes.
Com um sabor quente de saudade e delineados por uma demasia engraçada, os cartões musicais de finais de ano abraçam o ambiente com um timbre baixo e afinado.
É chegada a hora.
O fim de ano anuncia e os cartões respondem.
É tempo de filtrar a singeleza da vida, reciclar as amizades e trocar um amor desbotado.
É chegada a hora de frear a pressa, desacelerar o arrependimento e, adormecendo os medos, selar um compromisso com o acaso.
É o momento de se concentrar para entrar em cena.
O ano novo já ensaia os detalhes finais de um roteiro desconhecido.
Agora, o grande desafio é abafar as vozes da ansiedade e sentir o pulsar firme da concentração.

Vaidosas e indiscretas...


Derrubando um charme agudo pelo caminho ela surge, graciosa em seus detalhes e delicada em seus contornos.
Desfila uma beleza esperta sob a folhagem verde bandeira de um jardim qualquer.
Seus passos certeiros e o pouso ágil parecem ensaiados.
Sem pressa e disfarce move uma exuberância vaidosa, sob os costumeiros mantos em tom de escarlate. O visual, trabalhado com exatidão de formas, exibe uma maquiagem impecável, delineadas por pequenas bolinhas pretas.
Belas e vaidosas seguem o amanhã, como turistas por jardins desconhecidos, derrubando traços de meiguice por onde passam.
Porque joaninhas são assim, simples e indiscretas.

Levo comigo o apego...


Ao lado da meia noite deixo para traz o desejo e levo daqui a saudade, embrulhada em um papel pardo envelhecido.

Os faróis já correm quente, de um extremo ao outro da avenida.
O medo vai seguindo a rota do vento, acariciando os fios de cabelo solto, que de passo em passo, brincam de pisque-esconde pela brisa noturna.
Agora, as pilhas da lanterna já piscam lentamente de cansaço e me pedem pra voltar.
O silêncio vai carregando a afeição para longe e a noite se arrasta pelas ruas vazias de gente, acariciando algumas lágrimas desobedientes.
Em passos lentos e largos vou filtrando os sons da noite, na tentativa de encontrar um último adeus, um só ruído, antes que a lanterna seja tomada pela cegueira.
Antes que a noite acorde, o vento mude a rota e o tempo se vá, derrubando pelo caminho as saudades de um amor.